De à Preferência
“Nosso comportamento no trânsito não pode ser diferente daquele que temos em casa, lá como cá, deve ser de forma respeitosa para uma vida saudável”.
Há poucos dias postei uma foto na minha rede social referente à placa de regulamentação de “DÊ À PREFERÊNCIA” (R2), pedindo que completasse a frase DÊ À PREFERÊNCIA PARA .....
O objetivo da postagem era justamente provocar a reflexão sobre o significado que a placa nos remete, ou seja, aquele mais amplo do seu real sentido.
Foram muito bacanas as interações e podemos observar que quando estamos fora do veículo (carro, moto, ônibus, bicicleta) urge a necessidade de sermos mais gentis uns para com os outros.
Infelizmente não é isto que vemos no dia a dia no trânsito. Diariamente somos informados pela imprensa ou rede social de que mais um “acidente” ocorreu, e com ele mais uma vida se foi.
Para entender um pouco deste fenômeno, trago uma pesquisa que trata justamente desse olhar e sentimento que as pessoas detêm em relação aos automóveis.
De acordo com uma pesquisa feita com proprietários e condutores de veículos, “dos quais 50% eram homens” e cujo objetivo foi “investigar qual o significado que eles atribuem ao automóvel na sua relação com este objeto e quais os valores culturais que permeiam esta relação”.
Como conclusão, percebeu-se que os condutores estabeleceram um paralelo entre o carro e as peças de uma casa, ou seja, sala, quarto, cozinha e banheiro.
Dos pesquisados, a autora (HOFFMANN, 2003 p. 72) chegou aos seguintes dados:
42.5% - afirmaram que ao viajar (trajeto longo) para durante o percurso para dormir, namorar ou descansar no carro (quarto);78,3% - gostam de conversar com amigos e familiares dentro do carro quando passeiam (sala);87,5% - também aparece como sala, quando afirmam que utilizam o veículo para escutar músicas;40,8% - afirmam que antes de sair do carro dão uma olhada no espelho para verificar a aparência (banheiro);55% - declararam que fazem lanche dentro do veículo (cozinha);70% - dizem que deve o veículo ter um bom porta-malas para acomodar as compras (despensa);62% - utilizam como escritório enquanto estão estacionados;95% - entende que o veículo é um local seguro. Ainda para Hoffmann (2003, p.71), “neste caso, estas funções, por serem as funções de uma casa, tornam válida a afirmação de que os motoristas usam o carro como sua casa, atribuem-lhe funções e cuidam dele como se fosse a própria casa.”
Isto significa dizer que como o veículo é considerado por muitos como uma extensão da sua casa é natural que os valores atribuídos a eles sejam amplificados no que diz respeito aos seus sentimentos. Porém, nasce aí outro problema, que é justamente o ato de dirigir, e a conservação deste bem quanto aos seus itens de segurança. Uma relação entre o carro e a casa que podemos apontar é que, naquele é possível emprestar e neste, dificilmente alguém emprestaria. Está posto o problema no uso do bem, ou seja, do veículo que não seja o condutor o seu dono (proprietário). (HOFFMANN, 2003).
Segundo Hoffmann (2003, p. 73), “se o carro é dirigido e usado como se fosse a casa do motorista, ele tenderá a revestir as suas ações em público com valores particulares, considerados pessoais, próprios do seu ambiente restritivo.” Com isto obviamente, toda e qualquer situação ocorrida no trânsito poderemos ter reações mais acaloradas, tendo em vista a conotação dada ao veículo.
Para Dotta (2004; p.13),
As mudanças de comportamento são indispensáveis para a consecução de um trânsito mais seguro e humano. Os condutores com emoção engessada manifestam dificuldade para modificar o comportamento e conseqüentemente tornam-se condutores perigosos.
O veículo, quando mal usado, torna-se uma verdadeira máquina de guerra em tempos de paz. O instrutor canadense de trânsito Peter Ross-Easton destaca que as características pessoais mais importantes para dirigir podem ser resumidas nos seguintes itens: espírito de equipe, juízo equilibrado, atenção inabalável, senso de antecipação e respeito pelas leis de trânsito. (DOTTA, 2004).
Ainda de acordo com Dotta (2004; p. 17).:
Com relativa facilidade é possível constatar que existe uma relação estreita entre a freqüência de acidentes e certas dificuldades de adaptação social. As pessoas de boa inteligência emocional são capazes de aprender com os próprios acidentes, como também com os dos outros. “Uma vez mordido, duplamente precavido”, no caso do cachorro; e “uma vez acidentado, duplamente atento e cauteloso”, no caso de automóvel. Um acidente recente, geralmente, é acompanhado de um período de preocupações incrementadas.
As ciências do comportamento, principalmente a psicologia, têm muito que pesquisar ainda, para desvendar as verdadeiras causas dos acidentes ou, para ser mais preciso, ver se os acidentes são decorrentes da não-percepção dos riscos ou se estão associados à tomada de riscos ou aceitação de riscos. (DOTTA, 2004).
Então, como resultado da interação as pessoas completaram a frase dizendo DÊ À PREFERÊNCIA PARA... vida, gentileza, amor, família, paz, segurança, educação, pedestres, ciclistas (...).
Analisando o resultado da interação (guardadas as devidas proporções) os dados da pesquisa e os apontamentos realizados pela professora Dra. Maria Helena Hoffmann, a qual tive o privilégio de ser aluno, e dos autores Ático e Renata DOTTA, podemos concluir que há muito ainda a ser analisado e estudado o comportamento humano, pois enquanto estamos fora do veículo temos um comportamento e uma expectativa, porém ao entrar no veículo o resultado é outro, em muito se parece com o desenho animado do Pateta exibido há décadas por centros de formação de condutores (autoescolas) e campanhas de conscientização no mundo inteiro, nele mostra o personagem Pateta passando de um pacato pedestre a um agressivo motorista.
Emerson Luiz Andrade
Consultor de Trânsito
Especialista em Meio Ambiente, Gestão e Segurança no Trânsito
REFERÊNCIA
BIBLIOGRÁFICA:
HOFFMANN, Maria Helena; CRUZ, Roberto Moraes; ALCHEIRE, João
Carlos. Comportamento humano no trânsito.
São Paulo: Casa do Psicólogo, 2003.
DOTTA, Ático; DOTTA Renata. Acidentes de trânsito: como evitá-los. Porto Alegre, 2004.
CORASSA. Neusa. O uso do carro como extensão da nossa casa e os conflitos no trânsito. Monografia (Trânsito – uma abordagem interdisciplinar). Pontifícia Universidade do Paraná, Curitiba/PR, 2001.
https://www.semprefamilia.com.br/entretenimento/desenho-do-pateta-nervoso-no-transito-completa-65-anos/ < acessado em 20 de jun de 2022>
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